segunda-feira, 5 de outubro de 2009


Faço das palavras do Ver. Robinson Cavalcanti minhas palavras, um verdadeiro manifesto protestante que há tempos não vejo. Com orgulho e emoção coloco no meu blog esta maravilhosa reflexão,dos tempos bons que tomara a Deus não fique só na saudade de muitos mais na realidade de todos. Não poderia deixar de postar essas memórias de Robinson Cavalcanti sem mais demora vejamos o que disse o mesmo:

Saudades dos crentes
Robinson Cavalcanti
Em volta, a beleza da natureza de Paripueira e o som das ondas do mar. Recosto-me na rede, no alpendre (que os não-nordestinos insistem em chamar de terraço), lanço um olhar sobre minha caminhada religiosa... Vencendo os preconceitos, aproximei-me dos “crentes” em meados dos anos 50. Fiquei surpreso como pessoas bem simples conheciam profundamente as Sagradas Escrituras e como o Evangelho, como “plano de salvação”, era exposto com clareza e autoridade, o que demandava uma resposta de compromisso dos ouvintes. Encantei-me com o clima fraterno entre os “irmãos”, como família da fé. A escola dominical me deslumbrava, quando eu via a Bíblia sendo aberta e estudada. Passei a conhecer um novo mundo. Jamais seria o mesmo. Tornei-me um “crente”. Em 1960, assisti ao primeiro culto com Santa Ceia na Igreja Presbiteriana de Garanhuns, PE, onde imperava uma atmosfera de solenidade e reverência, um silêncio respeitoso. Uma música clássica tocava suavemente; seguia-se uma “ordem do culto” como roteiro litúrgico. O pastor vestia um terno preto com colarinho clerical. As leituras, os hinos e a música do coral se harmonizavam, conduzindo-nos a um enlevo espiritual, numa experiência marcante. Familiarizei-me com os Salmos e Hinos e o Cantor Cristão, com suas melodias, conteúdo teológico e temas apropriados para cada ocasião. Festas de aniversário, casamentos (nunca “mistos”) e, particularmente, funerais representavam nova experiência de fé, alegria e irmandade. Todo mundo tinha um espaço na vida eclesial, o que então eu aprendi como sendo o “sacerdócio de todos os crentes”. E a preocupação com a preparação dos sermões, com os clássicos “3 pontos”, que ocupam o centro do culto, alimentando-nos espiritualmente? Aquele era um tempo em que se referia a “grandes pregadores”, pessoas simples, sóbrias, profundas, conhecedoras da Palavra, da doutrina e também do vernáculo (não se usavam “tu” e “você” misturados, como hoje). Os protestantes eram minoria num contexto (já declinante) de discriminação e, até mesmo, de perseguição. Isso reforçava o espírito de corpo, a coesão interna, não somente dentro das denominações, mas em
seu conjunto, como “o povo evangélico” (nossa identidade), aspirando maior aceitação, espaço e respeitabilidade. Não dava para disfarçar o orgulho pela pioneira visita do presidente da República à Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, em 1959, ou pelo Maracanã lotado pelos batistas em l960. Enfatizava-se a necessidade de conversão, ou “novo nascimento”, e era costume ouvir “testemunhos”. O recém-convertido ficava longos meses na classe dos “catecúmenos”, aprendendo a Bíblia, as doutrinas básicas da fé cristã e as características marcantes de sua denominação. Essa foi, também, minha rica experiência de aprendizagem e amadurecimento antes da minha confirmação (pública profissão de fé), em 1963, na Igreja Evangélica Luterana. As igrejas eram divididas em organizações (com seus departamentos), onde se procurava aplicar o ensino à vida. Entre os jovens, aos sábados, se promoviam as chamadas festas sociais. Os pastores, de várias denominações, faziam intercâmbio de púlpitos, sem temores de atitudes antiéticas por parte dos colegas. O crente brasileiro de então vivia sob a ideologia de um Destino Manifesto: a crença de que a presença do protestantismo entre nós concorreria para trazer a democracia e o progresso. A Confederação Evangélica Brasileira (CEB) tinha legitimidade como órgão aglutinador da comunidade protestante. Realizava eventos memoráveis, como a Conferência do Nordeste, de l962, no Recife, envolvendo intelectuais evangélicos e não-evangélicos, sob o tema “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”. Como esquecer a Semana da Reforma, que acontecia todos os anos, em outubro, quando milhares de igrejas, em todo o país, estudavam, com o mesmo material, um aspecto ou personagem da Reforma Protestante do Século 16, o que contribuía para a consolidação de uma identidade? Conheciam-se os Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus. Grêmios, sociedades literárias e publicações contribuíam para o crescimento não só espiritual, mas também intelectual dos “crentes”. Grandes pastores estavam preocupados em edificar igrejas sólidas para suas denominações, e não impérios religiosos para si. Os vínculos eram do tipo: fiel–igreja–denominação, e não fiel–pastor. A modalidade de culto espetáculo, centrado nos pastores estrelas, era algo inimaginável. Históricos, primeiro; pentecostais, depois; éramos todos, acima de tudo, evangélicos. O fundamentalismo e o liberalismo chegariam muito depois, de forma marginal ou periférica, tidos como estranhos à nossa maneira de ser. Apesar dos problemas naturais, inerentes aos seres humanos, posso, com convicção, afirmar: “Bons tempos aqueles... Meninos, eu vi!” Depois... bem... Depois é o que temos e conhecemos hoje. Do passado pouca coisa parece ter ficado. Crescemos (talvez, tenhamos inchado),
tragicamente nos fragmentamos. Do velho e sólido protestantismo parece nos ter restado apenas uma vaga memória. Os shows substituíram a solenidade dos cultos; os “astros e estrelas”, os estadistas do reino de Deus; a coreografia, a alma genuflexa; os gemidos inexprimíveis, os hinos. Voltamos à cosmovisão opressiva da Idade Média com as batalhas espirituais e a teologia da prosperidade, que, por sua vez, traz de volta as indulgências. As experiências tomam o lugar da fé na Providência; a importação de pacotes estrangeiros, o lugar da busca de uma construção nacional. Parece que perdemos o respeito e a credibilidade. Cada vez com mais freqüência, nos deslocamos para as páginas policiais. O neofundamentalismo bitolante já fez escola, e o liberalismo pós-moderno, cético e relativista, vai-se infiltrando, sorrateiro, venenoso e mortal. Graças a Deus, há um remanescente fiel. Nem tudo está perdido, e nos movemos pela esperança no Senhor da Igreja, apesar de tudo. Ainda há muitos crentes no Brasil e, estamos certos, sempre haverá. Apenas nostalgia? Apenas saudosismo de um velho na rede, ou um olhar no passado buscando forças para viver o melhor do presente e, ainda, teimosamente, continuar sonhando com o futuro? Bons tempos no passado... Bons tempos, também, no presente e no futuro? Meninos (e meninas), eu vi... E espero continuar vendo... Que todo o sério esforço do passado não tenha sido em vão! Com fidelidade à Palavra de Deus e ao sagrado depósito da fé apostólica, e com discernimento, é tarefa de todos nós, enquanto estivermos aqui, enfrentar as adversidades externas e internas, procurando tornar o evangelho relevante à nossa geração, inclusive, até o dia em que você também estiver na rede...
Dom Robinson Cavalcanti é bispo da Diocese Anglicana do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada.www.dar.org.br
Publicado na Revista Ultimato
http://www.ultimato.com.br/revistas_artigo.asp?sec_secaoMestre=1023&sec_id=1025&edicao=295

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